Tipo, Coisa de Bruxa
No passado tudo era mais simples, a altivez das bruxas e as eficácias das bruxarias para tudo valia.
Com o passar dos tempos, o poder tomou de conta, o valor já não era a gratidão, era cifrão.
Ser bruxa perdeu serventia, a ordem era deixar cair no esquecimento; a magia, o encantamento, bruxaria e a feitiçaria tudo que ligava e interligava o cosmo com a natureza tornou-se banal.
Nada podia ser feito; matar bruxa teve efeito. – Certo ou errado, nada tinha função fora da dominação.
Mas, quem pode dominar a força da natureza que naturalmente irrompe e gera vida? Superior aos dogmas do certo e errado, entre a transcendência e a consciência está a sabedoria provedora da lei.
O inicio da Bruxa
A nação estava um caos, e naquela pequena vila existia, no silêncio do tempo, o sagrado templo das bruxas que por medo e proteção ali se refugiaram por uma eternidade.
No início da nova era, Nancinha rompeu; trazia consigo o segredo das velhas bruxas que por essas terras manipularam a arte; conhecia o segredo das matas, plantava a essência quando a terra estava no cio, bradava com os animais o poder da anima, rezava ao sagrado, à força vital, reinventava o rumo e manipulava o caminho quando encontrava a dor no destino.
Foi com essa alegoria do conhecimento dos tempos idos que Nancinha despertou para a magia, assinou sua própria alforria na contradição sua condenação e por ousadia a libertação.
As mais velhas – tataravós, bisavós, avós, tias-avós, mães, madrinhas e vizinhas alegraram e também choraram pelo destino e sina daquela menina.
Sua negritude reluzia, seus olhos encantados eram pura magia, não sabia que a ordem do dia era, _ mata a menina que ela além de preta é bruxa, feiticeira, macumbeira, _ sei lá, _ não importa.
Quando o poder do falo começou ecoar a voz da morte, as velhas bruxas reagiram e não admitiram qualquer crueldade.
Hibernaram o tempo, prepararam aquela bruxaria que levaria e livraria Nancinha e ela foi morar com a lua, rainha da magia.
Lá, aprendeu que o tempo é sagrado e tem segredos e as bruxas, que lhe são obedientes, não rouba e não mata o Senhor da existência, mas, faz combinados, acordos, lhe presta reverencia, pede clemencia e se permitido for, muda o rumo dos feitos, arruma os defeitos, desfaz os mal-feitos, ajeita os conceitos, ameniza a dor, temperar, saboreia o paladar e eleva a alma para receber do sagrado a teurgia do criador.
Nancinha cresceu, mulher refeita, conhecedora dos segredos dos dois lados da vida; ordenou o opressor que retirasse dali o grito de dor. Em vão.
Foi então, que ela usou todo o poder da bruxaria; atravessou a linha do tempo e no futuro chegou.
Alterou o destino. Retirou o poder da mão do dominador, dos que sofre, amenizou a dor.
Cada grão de alimento desperdiçado foi aproveitado, na mesa do rico não sobrava e dos pobres não faltava.
Pôs fim na guerra, não havia mas nação oprimida e aquela que oprimia, hasteou uma bandeira escrita: “Perdão”.
Comandada pela lua, Nancinha despertou o poder da bruxaria; entre gargalhadas, danças e ventania um grande centro de magia foi inaugurado. O evento das bruxas ganhou proporção. Nos quatro cantos do mundo as mulheres, bruxas ou não, faziam mandinga com as próprias mãos. Nancinha, entre as duas dimensões – presente e futuro – ajeitava o pensamento para a chegada de nova geração.
Com o passar dos tempos, o despertar da consciência fez movimentar a órbita que circunda a terra uma nova ordem lampejava o porvir, a intuição fazia revelação só era preciso prestar atenção.
A natureza, como um livro aberto, recitava a sabedoria como poesia. Era tanta magia sussurrada, cantada, ecoada; não havia mais segredo entre o céu e a terra. Os encantados revelaram-se à humanidade e com intimidade de braços entrelaçados cirandavam a arte de viver.
O poder oposto por certo não estava morto; vivia e reinava nas profundezas, mas com certeza, aqui em Gaia o clima era de paz.
Nas águas cristalinas de Mamãe Oxum cada filho era lavado, limpo e abençoado pelo poder da mironga feita em porção na proporção certa para combater as más influências, a falta de decência e a ausência de consciência.
Mas sabemos que não há bruxaria que cura indolência, maldade e indecência essa é uma doença do caráter, está na cara, quem tem essa moléstia mata bruxa ou qualquer força humana ou cósmica que opõe a dominação do agressor.
É preciso cuidado para não anuviar a mente e os pensamentos de confusão. É nítido que a visão está embaçada. O êxtase da conquista não deve sucumbir à prudência, para ser bruxo é preciso consciência.
Uma voz interior interrompeu, caso seja você e eu – bruxa no sagrado tempo ou sombra espalhada ao vento?
– Minha cara, você mesmo que se encontra defronte desse conto, lendo, entendendo ou não, minhas sinceras desculpas.
– A intenção era anunciar que entre nós existem bruxas, mandingueiras e feiticeiras, são também mulheres que trabalham, pintam e bordam o sete, gera a vida na parte íntima, sangra como tanque no sertão, ama, vive e luta por liberdade.
– Bom! Por acaso você é?
– Eu, você está me perguntando se sou uma…?
– Só revelo minha identidade olhando nos olhos. Cochichado ao pé do ouvido fraterno. Em uma terra que matar é uma proposta de nação, toma cuidado irmã.
Na obediência da lei que movimenta o ciclo é preciso saber que toda bruxa também é gente, mas também é diferente:
Faz chover na plantação, lá no sertão com a força da imposição das mãos.
Vai a caça para matar a fome das crias.
E com as ervas faz mezinha. Macero as folhas para fazer unguento e na mudança de lua, nunca esqueço do ritual.
É benzedeira e não trabalha só, manipula as energias impulsiona as mãos, faz oração.
– Ainda assim perguntas? Quem sou eu?
Saravá, tempos bons.
Bruxa ou não, pelo rumo que anda a nação, pode ficar parada não.
É preciso não perder a identidade e reconhecer.
Defender a união, fazer a revolução promover a libertação.
Conselho de quem anda nas ondas do tempo mexe e remexe na inquisição altera o destino e guarda os segredos do sagrado na palma da mão.
Nancinha, bruxa preta do sertão, depois de tanta peleja derrotou a alienação da lei áurea, uma nova ordem estabeleceu uma nova lei, e o poder nos braços da justiça fez morada.
A ordem do fálico ecoou, rouco de rancor: – Mata a bruxa novamente, arranca da mente o desejo de amar.
Naturalmente a natureza pôs-se a liberar energia; a lua arremessou fluidos para aquebrantar a dor e Gaia, que na sua essência é útero e coração consagrou e concentrou a bruxaria.
Entre os polos o poder pendulava, como no início e sempre.
Com o coração cantaram a canção gravada na lembrança da terra África, a canção da vida.
Naquele dia a utopia floresceu nos poderosos, despidos do poder se curvaram. O início de uma nova era foi gestada, parida e criada. Há quem diz que o acontecido foi coisa de bruxa.
Certeza não se sabe duvidar não é prudente.
O desejo de toda bruxa é acertar a poção, besuntar o coração, a nação, a multidão, o irmão, curar Gaia e abraçar a lua em cada fase sua que transmuta a forma e a força.
Lua, toda nua, faz o mar balançar, a mulher sangrar o desejo arrepiar, a vida transbordar, o feto nascer. Nos seus segredos a bruxaria é temperada e manipulada. É pura magia que só o tempo conhece.
Tipo assim; feito coisa de bruxa.
Augusta Santo
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Facebook: Augusta Nunes
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