Imunização
Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um montão de claridade
Início da tarde, dia 28 de junho de 2021…
O Sol resolveu dar o ar da graça e saio pelas ruas de Santo Amaro, em busca de uma unidade de saúde.
Atravesso a rua apressadamente, sigo pela calçada do cemitério e o calor me obriga a parar e tirar uma das blusas…bem ali, na esquina…não posso deixar de pensar no paradoxo:
Enquanto vou a caminho da vida, da tão almejada imunização, estou parada quase em frente a última morada terrena, e penso em tantos que já se foram, em tantos que se despedem de seus entes queridos em plena pandemia.
Os pensamentos voam e eu busco foco…
Ela me apresenta solenemente o frasco da vacina, diz que o número do lote irá em meu cartão ou comprovante…aceno que sim, também solene, grata e ansiosa…
Ela, uma linda mulher negra, enfermeira do SUS, explica tudo sobre a vacina.
Aplica a injeção e comenta:
– Se arrepiou toda…
Sorrimos…ela me diz a frase tão esperada:
– Daqui a 15 dias você já pode se considerar imunizada…
Antes que eu me vá ela sorri e diz amorosamente:
– Vai com Deus…
– Fica com Deus também e muito obrigada…
As palavras reverberam em meu coração…ela, mais que ninguém sabe a importância desse momento…
Aquela mulher, como tantas outras na linha de frente, sabe quantos dariam a vida pela chance de ter vacinado a tempo, um ente querido…
Saio meio atrapalhada, visto a blusa, respiro, ajeito a máscara e sigo com uma sensação indescritível no peito. Vontade de cantar, de gritar.
“Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós”
Toda vez que estou emocionada por algo grandioso me lembro desse hino, aprendido na infância…
Passo de novo em frente ao cemitério e agora já não contenho as lágrimas…um ano e três meses…um ano e três meses de angústias, altos e baixos, superação e muitas perdas…como não me sentir um tantinho culpada? Como não ficar triste por aqueles que se foram e não tiveram a mesma chance?
Faço uma prece…digo que sinto muito e que não há nenhuma separação entre nós…
Como nos ensina Bert Hellinger, pronuncio as falas de cura:
“Eu sinto muito…você se foi muito cedo…eu sinto muito a sua falta. Eu fico um pouco mais por aqui e um dia todos nós nos encontraremos”.
Respiro, limpo o rosto e sigo adiante… Nesse momento é de extrema importância que cada uma de nós possa se conectar com o sagrado feminino, com sua fé ou com a própria alma…para não desvanecer, não sucumbir…
É comum em situações extremas como a que estamos vivendo atualmente, que algumas pessoas não se sintam dignas de continuarem, quando tantos se foram. Somos os sobreviventes e agora o maior compromisso é que façamos algo bom de nossas vidas…
Essa sempre foi a melhor forma de “honrar” os que partiram e os que vieram antes de nós.
Ainda não estamos livres, minha amiga Pâmela…ainda haverá casos de racismo, machismo, homofobia…aliás, ainda temos um Barba Azul no poder…ainda há muito trabalho a fazer…
Sigamos nas rodas de cura, de aprendizado, da ciência e da espiritualidade… Sigamos celebrando a vida com amor e dignidade!
Edilene Santos
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