MARI MARI – Dez vezes mais
Eu sou a visão
dos espíritos antigos
que dormiam nesses pampas.
…
Eu sou o sonho do meu avô
que ele adormeceu pensando
que um dia eu voltaria
para esta terra amada.
…
Eu corri para coletar o sonho
da minha cidade
para torná-lo ar respirável
deste mundo.
Leonel Lienlaf (escritor, cineasta e músico mapuche-chileno)
Dentre os povos originários das Américas, os Mapuche nos oferecem histórias maravilhosas e ricas de significados. De acordo com a religião mapuche, a mulher foi criada primeiro e todo os outros elementos da natureza vêm dela. Essa condição confere privilégios e significados especiais às mulheres nessa cultura. A grande maioria dos xamãs (machi) são mulheres já que são elas que mantem um relacionamento íntimo com a natureza e principalmente com a terra em seu papel de mãe-uke (origem e nutrição da vida). Ela é a escolhida pelos espíritos para assumir o papel de machi (porta voz dos espíritos da natureza).
O mito de criação do povo Mapuche nos conta que Chau (Nguenechèn), o deus supremo criador, tem como companheira Luna, a Reina Azul ou a Reina Maga que é sua mãe e consorte ao mesmo tempo.
Em mais uma passagem da mitologia Mapuche, encontramos o protagonismo feminino por meio de Trempulcahue, quatro mulheres anciãs que, ao entardecer, se transformam em quatro baleias brancas com a função de guiar o espirito dos mortos a sua nova morada.
Os Mapuche estão presentes na Argentina e Chile. No Chile, principalmente na região de La Araucania, este povo luta pelas terras ancestrais. Em maio deste ano, o governo chileno decretou a militarização da região Mapuche. Na Argentina, mormente na região da Patagonia, o cenário não é muito diferente. Este povo bravo, corajoso e ciente de suas raízes ancestrais luta para manter vivas sua língua, sua visão de mundo, suas crenças. O povo mapuche não luta apenas pela propriedade da terra, mas, sim, por um modo de vida na terra. Já são mais de cinco séculos de luta e resistência desde a colonização espanhola.
Sobre os Mapuche existe uma extensa obra da cantora e compositora chilena Violeta Parra, autora de “Gracias a la vida”. Estudos apontam que a letra desta canção tem origem na filosofia Mapuche pois é por eles sabido que quando agradecemos à natureza, esta nos devolverá essas oferendas: Gracias a la vida que me ha dado tanto! Violeta Parra também compôs uma canção sobre El Guillatún que é uma cerimonia religiosa mapuche dedicada à conexão com o mundo espiritual para pedir o bem-esta, fortalecer a união da comunidade e agradecer as bênçãos recebidas. É a hora onde as machis tocam seus tambores fortalecendo essa união com o mundo espiritual.
E ainda existe mais uma história sobre a deusa forte e poderosa dos Mapuche: Kuyen, a Lua. É a manifestação feminina mais importante do Universo na criação do mundo Mapuche. Kuyen é a mãe que controla o espírito das águas, o espírito do feminino, e é a protetora dos nossos sonhos. Kuyen, a Lua, é benfeitora, pois favorece nossa fertilidade e o crescimento das plantas.
Tem uma relação próxima com as mulheres: controla o ciclo de fertilidade, a menstruação, e sua vida sexual. Küyen tem três fases: Kuyen Üllcha , a jovem, a Lua Nova, Kuyen Ñuke , a mãe, a Lua Cheia, e Kuyen Kuse , a velha, a Lua Minguante. Por esta razão, a Lua determina o ciclo energético mensal e o Sol o ciclo energético anual. É a manifestação feminina mais importante do Universo na criação do mundo Mapuche.
Então convido vocês a refletirem o quanto é importante o respeito pelos povos originários. Eles são as nossas raízes, a nossa história. Como latino-americanos, a dor do povo Mapuche é a nossa dor. A luta para a preservação da história, das terras, das crenças deve ser a nossa luta. Lembra daquela fala do pastor luterano Martin Niemöller: “Quando eles buscaram os judeus, eu fiquei em silêncio; eu não era um judeu. Quando eles me vieram buscar, já não havia ninguém que pudesse protestar.” É disso que eu estou falando…
Mari Mari é uma saudação mapuche que significa reciprocidade e liberdade entre cada indivíduo. Literalmente, significa dez vezes mais. Como meus dez dedos mais seus dez dedos. A saudação tradicional é feita com as duas mãos. É falar de igual para igual, olhando bem fundo nos olhos.
Morgana Leal
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