Sagrado Feminino, para quem?
Quando pensamos me Sagrado Feminino, o que vem à cabeça?
Mulheres em círculo, meditando, conversando, contando suas histórias, se curando. Todas felizes, emocionadas…. Buscando plenitude em uma jornada de autoconhecimento.
Uma bela imagem, não é mesmo?
Já participei de muitos assim. São de fato encontros muito poderosos e transformadores.
Mas à medida que eu pude conhecer e estudar mais sobre esse tema, senti uma angústia cada vez maior crescendo no peito.
Eu não via naqueles espaços de empoderamento a mulher da periferia. A mãe, pobre, que cria os filhos sozinha. Nem a adolescente que engravidou precocemente. Pouquíssimas mulheres negras. Indígenas, então…. Também não via crianças. As mulheres sempre deixavam os filhos em algum lugar, com alguém.
Isso começou a me incomodar profundamente. De um jeito que eu não conseguia verbalizar.
Fiz muitas reflexões a esse respeito. Perguntei para outras mulheres. Aquelas que eu encontrava nas formações. Às facilitadoras. E só ouvi o silêncio. Sepulcral. Duro. Frio.
Aonde estava a Deusa para aquelas mulheres? Mulheres vulneráveis, socialmente, culturalmente, afetivamente. Marginais.
Marginais no sentido literal, de ser deixada à margem, de lado, esquecidas. Invisíveis.
Existe um grande abismo que impede o acesso da mulher da periferia ao sagrado feminino, e muitas vezes, e infelizmente, ele é financeiro.
Os encontros são lindos, sim, isso não posso negar, com formadoras capacitadas, muitas vezes até “da gringa”, como dizemos aqui na quebrada. Namastê. Gratidão. Ser de Luz.
E a mulher da periferia continua invisível.
Lembro da primeira vez que fizemos um Círculo de Mulheres aqui na nossa região. Com contribuição voluntária, consciente. Todas eram bem-vindas.
Foi uma grande surpresa. Todas aquelas mulheres ouvindo falar de sacralidade feminina, de uma figura que poucas conheciam, a Deusa, e que era uma manifestação delas também. Pois pertencia a elas. Pois o Sagrado Feminino também pertencia a elas.
Mulheres com histórias, trajetórias, vidas, que mereciam ser escutadas e valorizadas. Não importava onde estivessem.
A presença de cada uma era bem-vinda. Assim como de seus filhos, pois sabemos com o é difícil para uma mãe em carreira solo explicar para alguém cuidar de sua cria porque ela vai “meditar” com as amigas…
E foi lindo. Poderoso. Potente.
E sabem por quê?
Porque a Deusa celebra a diversidade.
Porque quem criam as barreiras são as pessoas.
Não podemos negociar o Sagrado.
Não critico quem cobra por cursos e formações, muito pelo contrário, acho justo, pois se capacitar tem um custo.
A minha crítica é aos valores exorbitantes que vejo em muitos eventos, que criam uma peneira sagrada, de selecionadas merecedoras dos mistérios femininos.
Como Sacerdotisa, Guardiã de Círculos de Mulheres, sinto a necessidade de refletirmos profundamente sobre esse tema. Para quem é o Sagrado Feminino?
Eu acredito que seja para todas. Mas e você? Qual é sua verdade?
Sou Mariana Leal, e assim falei.
Bênçãos da Deusa.
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33 Comentários
Excelente Reflexão, amei e me identifico
Feliz em saber!!! Nossas vozes devem ecoar!!
Eu acredito que para tudo existem custos,mas esses custos na maioria das vezes colocam as pessoas em situação segregatoria.Fazendo com que pessoas como eu e muitas não tenhamos acesso a quase nada!Quando na realidade deveria ser dada a chance de um maior conhecimento a todas as que se interessassem.Apenas mais um grupo restrito.
Renata, este é o ponto. As ações acessíveis são possível. E por que um movimento de espiritualidade tão bonito precisa ser tão seletivo?! Grata por partilhar conosco seu ponto de vista!
Eu me vi em vc.
Sempre me questionei sobre isso, mas sem consegui falar, então so obersevava! E me sentia tbm um peixe fora d’água. A única de periferia, tdo mto longe e caro, então agora na pandemia fico só virtualmente e solitária, procurando o que me convem mas redes sociais.
Que bom este texto. Uma das melhores coisas que li sobre o Sagrado, gratidão por não está sozinha !
Dena Flor, que bom que nos encontramos nesse debate, não é mesmo!? Grata por sua partilha! Sinta-se acolhida!!!
Vc como sempre muito clara em suas palavras o que nos leva justamente à acreditar que o sagrado feminino são para todas nós, mulheres fortes e de luta…
E é, minha amiga!!!! Partilhando nossas histórias encontramos a convergência!
Excelente reflexão. Muitas vezes me questionei sobre a questão socioeconômica quando participei de círculos, no entanto, grande parte das mulheres perifericas são protestantes, o que também diminue a participação destas mulhures nestes círculo.
Na periferia poucos tem acesso e conhecimento a formas “alternativas ” de viver a espiritualidade.
Com pouca instrução, com baixa renda, preocupadas com o cotidiano que se apresenta, as mulheres recorrem a religiões que estão mais próximas.
Sim, Rosana! E percebo que muitas vão para caminhos que nem sempre às preenchem, por falta de conhecimento mesmo. Por faltarem esses espaços nas periferias. Com o mercado holístico alternativo em expansão, como nicho lucrativo, a periferia é esquecida mesmo… Mas vamos fazer essas reflexões para debate e transformar essa realidade!
Lembro-me a primeira vez que fiz essa indagação a uma “influencer” do sagrado feminino e ela me respondeu que as mulheres marginalizadas não estão nos círculos pq elas vibram na prosperidade.
Ana, essa fala é tão triste, não é mesmo! Como se fossemos culpadas e não merecedoras….. Por isso devemos pensar em uma espiritualidade acessível a todes!
Realmente, a presença de mulheres pobres é pouquíssima, as viagens nem se fala…
Quando eu ia ate aos encontros me sentia desajeitada por estar no meio de mulheres ricas. Uma pena pq os encontros são lindos e poderosos. Mesmo assim, pretendo atravessar esse abismo e retornar aos encontros quando possível.
Bruna, não acho que devemos nos sentir desajeitadas! Creio que o realmente importante seja encontrar o pertencimento! Fique a vontade para acompanhar nosso trabalho, e quando retornarmos com as atividades presenciais, quem sabe possa vir participar também?
Olá! A reflexão é válida, também acho que fica restrito. Só não gosto de colocar mais uma culpa no colo das mulheres. O modo de produção em que vivemos, o patriarcalismo (inclusive expresso na religiosidade) e suas consequentes desigualdades é que geram esses abismos, e não as mulheres. Mas sim, podemos ser sempre mais inclusivas, não apenas em círculos como esses, num geral mesmo.
Lucille, certamente! E que essas ações partam de nós! Numa perspectiva acolhedora e transformadora, e que sempre haja espaço para o debate e para as ideias! Grata por sua partilha!
Achei perfeita colocação estou sou privilegiadissima comparada a algumas mulheres e mesmo assim não consegui até hoje participar por conta de valores altos. Nós mulheres estamos cheias de feridas precisamos nos ajudar e estender as mãos umas as outras. Entendo a questão do valor formação mas alguns tem valores abusivos. Preciso inclusive de uma formação, tenho trabalhado com mulheres com a minha melhor intenção porém eu não tenho formação.
Alessandra, realmente isso é um ponto que precisa de um olhar mais amoroso!!!
Sinto que as pessoas acabaram perdendo a mão nessa questão da energia de troca, investimento… E virou um mercadoria…
Nós fazemos encontros com valores sociais, e muitas atividades gratuitas. É bem vinda a participar!
Tbm sinto q há uma mercantilização do sagrado. São tantos cursos e ofertas, todos caríssimos.
Perfeita mana. Eu tambem sou uma ex favelada, mae solo adolescente, filha de pai alcolatra, que ja esteve no crime, aquela coisa toda. Eu sai da favela, pq ela me trouxe muitos traumas, precisei me afastar para me curar, e hoje vivo em uma cidade super espiritualizada que é Floripa. E esse abismo existe mesmo, não conheço projetos de sagrado que cheguem as favelas, e aqui tem muitos morros onde as historias se repetem. Temos q acolher tpdas as manas quanto possivel, e essa elitizacao do sagrado eu tambm odeio. Parabens pelo trabalho, vou postar !
Kelly, que bom que esse texto ressoou em seu coração! Fique á vontade para partilhar!
Faltou falar também da exclusão das mulheres com deficiência. Não vejo nada para incluir essas mulheres que são invisíveis para toda a sociedade.
Fernanda, realmente existe essa exclusão! E infelizmente estrutural, pois está em toda a nossa sociedade. Precisamos pensar em acolhimento e formas de garantir a acessibilidade. Tivemos em nossos encontros algumas pessoas com deficiência, mas nos falta o lugar de fala para escrever sobre isso com mais propriedade. Gostaria de partilhar aqui sua experiência? Seria muito bem vinda!
Ótimo post, excelentes colocações e super necessário esses questionamentos.
Eu enquanto Guardiã de um círculo, branca, de classe alta e cheia de privilégios, humildemente te pergunto: O que eu posso fazer para mudar isso?
Sempre me pego nessa questão, meu sonho é que mais e mais mulheres tenham acesso a esse conhecimento. Os meus círculos sempre foram gratuitos e abertos, sem nenhuma restrição e nunca chegou mulheres diferentes do meu meio social… Como posso facilitar o acesso a essas mulheres? Como posso fazer com que elas tenham conhecimento de que é um lugar aberto à elas também? Já aconteceu de rolar uma falta de identificação comigo e com meu grupo sabe, e eu entendo mas sigo me perguntando como posso mudar isso. Gratidão mana <3
Victoria, uma sugestão é buscar parcerias nós coletivos da periferia! Aqui fazemos bastante isso. Abrangem as ações e oportunizam o acesso!
Que bom que essas reflexões fizeram sentido para você!
Fernanda, realmente existe essa exclusão! E infelizmente estrutural, pois está em toda a nossa sociedade. Precisamos pensar em acolhimento e formas de garantir a acessibilidade. Tivemos em nossos encontros algumas pessoas com deficiência, mas nos falta o lugar de fala para escrever sobre isso com mais propriedade. Gostaria de partilhar aqui sua experiência? Seria muito bem vinda!
Ameiii essa troca que está rolando aqui, muito pertinente!!! Tbm quero ser facilitadora de mulheres e essa vontade de ir em busca das mais vulneráveis arde em meu peito há um tempo. Gratidão!!!
Luciana, que bom que isso ressoa em seu coração! Acredito que o caminho seja esse mesmo! trocando experiências e buscar quais são as possibilidades de transformarmos e criarmos novos espaços!
Verdade, a Deusa é tão maravilhosa, todas merecemos, o acolhimento nos torna fortes, voltamos a nos reconhecermos, isto é maravilhoso.
Suelen, que bom que esse texto ressoou em seu coração! Grata por sua partilha!
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