Mulheres Oprimindo Mulheres: Porque o Barba Azul pode ser uma mulher
Então hoje vou contar uma história da cadeira da testemunha.
Leila é faxineira. Trabalha para a empresa prestadora de serviços aqui no meu escritório. Leila mora na periferia, bem no extremo sul da cidade de São Paulo.
Usa, claro, transporte público para vir trabalhar. Sai de casa as cinco da manhã, pega um ônibus que serpenteia por uns oito quilômetros, levando até uma hora para chegar ao seu destino.
Hoje Leila se atrasou. Um assalto à um caixa eletrônico, dentro do supermercado do bairro, resultou em dois ônibus incendiados, atravessados na via pública.
Guerreira, Leila não desistiu. Sacou seu celular, filmou a confusão toda, mandou o vídeo para sua chefe e avisou que chegaria atrasada. Esbaforida, duas horas depois, Leila chega ao trabalho para cumprir sua jornada de doze horas, na limpeza. A chefe, que até uns dias atras, dividia com Leila as tarefas de higienização, manda-a de volta pra casa e aplica-lhe falta. Leila ainda tenta argumentar, mas leva na cara uma “mentirosa!”.
Aquela que já foi uma igual na hierarquia da firma, tripudia, abusa da autoridade, deprecia Leila. Nem adiantou argumentar que “passou na TV” ou “está na internet” …. Leila ficou com falta, onerando ainda mais o orçamento apertado e mal equilibrado, pelo pouco que ganha.
Leila está triste e surpresa com a atitude daquela que, há tão pouco tempo, dividia angústias na hora da marmita do almoço.
É aí que me permito comparar a chefe da Leila ao Barba Azul. Aquele que tira de nós a luz interior, que nos conduz a um lugar de escuridão e tristeza. Momentos antes, eram amigas, colegas, companheiras de infortúnio. Pouco tempo depois, de posse das chaves das salas secretas, ela se torna o ser que assume o poder de calar a Mulher Selvagem – nossa valorosa e trabalhadeira Leila. Empurra para as mãos de Leila, a chave que pinga sangue, quando a chama de “mentirosa”. Nesse momento, mentira e traição tornam-se sinônimos apesar de serem apenas pretextos para subjugar e humilhar Leila.
Que Leila possa se livrar do Barba Azul e voltar a brilhar, silenciar seus medos, conquistar espaços que até então lhe foram negados. Que eu nunca coloque nas mãos de nenhuma Leila uma chave suja de sangue.
Morgana Leal
Leia Também:
Mnemosine, a Senhora das Memorias e das Lembranças
Yebá Beló – A mulher que fez a si mesma
Deixe um Comentário